Democracia: desafios e possibilidades
- vocacionalredentor
- 25 de mar. de 2015
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Comunismo hermenêutico é uma produção de Gianni Vattimo. Mereceu a seguinte apreciação de Slavoj Zizek: “qualquer um que pensa a política radical necessita deste livro como do ar que respira”. Trata-se de clara e inteligente denúncia ao capitalismo neoliberal, denominado como democracia bloqueada, aos exageros de suas cruéis imposições comerciais, regidas pelo mercado e por seus poderosos aliados midiáticos. Sistema que drasticamente fabrica terríveis cifras de pobres, excluídos de todas as espécies, refugiados. Diante de um cenário global cada vez mais contaminado por diferenças abissais entre ricos e pobres, nota-se que a globalização, não obstante suas conquistas, não significou maior distribuição de riquezas entre os povos. Pelo contrário, exacerbou a desigualdade, como se vê no fato de poucas dezenas de pessoas acumularem fortunas equivalentes ao que um bilhão de seres humanos carentes possuem para sobreviver, por exemplo. O filósofo sugere a hermenêutica radical, razão enfraquecida, como forma de escutar grupos e pessoas calados pela lógica exclusivista imposta pelo lucro desenfreado, buscando formas de resistência, de diálogo transformativo, gerador de novas formas de convivência social e democrática.
Hermenêutica radical seria o pensamento de uma racionalidade enfraquecida, aberta ao encontro, que pretende transformar-se em oportunidade de respostas aos perdidos da história. É um pensar novo, sem a pretensão da verdade absoluta, no entanto, que possui a força transformativa do amor solidário, da participação de todos como bandeira de luta constante pela igualdade social. Pensamento que, em seu núcleo mais crítico, revela a infeliz ligação das verdades evidentes com instâncias de domínio e de poder. Verdade que tem validade somente quando serve para justificar os que mandam na história. Desmascara, por isso, a pretensão de uma verdade autoritária, passando a compreendê-la, de fato, como verdade dos que vencem em detrimento do forçado anonimato dos que perdem. Dar voz aos pobres, excluídos não significa, também, acreditar simplesmente em sua emancipação para que substituam os postos de domínio porque, de maneira diferente, sonha operosamente com a justiça. Nesse sentido, a hermenêutica trabalha em prol da democracia, desbloqueando-a de seus persistentes núcleos violentos, como é a lógica da exclusão. Profetiza, inclusive, a necessidade de continuar depondo estruturas viciadas de domínio e de poder que insistem em conservar zonas de conforto perigosas por não levar em conta a verdade do outro.
Filosofia da aurora, da possibilidade de novas construções. Ingrediente importante para uma humanidade nova. Quer ser a proposta de práxis engajada, que continua sonhando as vias bíblico-cristãs do amor salvífico, da riqueza das diversas interpretações culturais, religiosas, políticas. Sim, é um pensamento que pensa a política em seu sentido mais radical. Sentido que não autoriza uma sociedade a considerar-se como democrática se continua perpetuando o descarte de milhões de seus compatriotas. Sua exigência maior – e esse é o desafio mais agudo – é a participação responsável de todos na construção cotidiana da vida pessoal e pública. Portanto, seu convite é muito maior do que a presença em manifestações histéricas, passageiras ondas superficiais, catarses coletivas, presas fáceis de manipulação de instâncias majoritárias como os grandes meios de comunicação. Sua meta não é a reivindicação egoísta de classes ou pessoas, porém, a busca do bem comum, da partilha, da beleza de todas as identidades desde que corresponsáveis. Comunismo hermenêutico é a confissão singela de que tudo seria muito mais humano se todos pudessem abraçar a vida com a responsabilidade de construir suas interpretações, em comunhão com a diversidade, libertos do colonialismo e da violência. Eis uma alegre esperança que move os que acreditam no próprio Reino de Deus, a certeza de que sem justiça não há paz.
Pe. Vicente de Paula Ferreira, C.Ss.R.
Missionário Redentorista, formador da Comunidade Vocacional Dom Muniz, membro da Sociedade de Estudos Psicanalíticos de Juiz de Fora, filósofo, teólogo, doutor e mestre em Ciência da Religião.
Fonte: www.provinciadorio.org.br
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