O sacrário da alma
- vocacionalredentor
- 13 de fev. de 2015
- 3 min de leitura
Os enigmas do espírito humano são, de fato, impressionantes. Diversa, polissêmica, pulsional, misteriosa, a mente pensante é surpreendente em suas manifestações. Quão bela é a racionalidade capaz de produzir ciência, de desbravar o espaço, de criar e recriar a vida. As novas tecnologias dão prova de capacidades sem medidas de uma razão inventiva de mundos magníficos. Manipulando partículas minúsculas, invisíveis, são nobres testemunhas de resultados fantásticos para a existência humana. Infeliz de quem é insensível a essa reviravolta pela qual passa a humanidade. Não é necessário ser um especialista em nanotecnia, manipulação da matéria a partir de átomos e moléculas, para notar tantos avanços no campo da computação, da eletrônica, da física, da biologia etc. Esses chips são milagrosos, não é mesmo! Todavia, quanto mais são descortinadas as estruturas ocultas da matéria, trazendo possibilidades enormes para a reinvenção do cotidiano, a raça humana se percebe, também, cada vez mais, diante do mistério extraordinário de sua liberdade, de seus desejos, de modo particular, do seu tecido inconsciente, daquelas motivações mais profundas que extrapolam o mapa das equações racionais.
É difícil aceitar e acreditar que a ciência empírica, técnica, explicará totalmente o que, na verdade, pertence também ao mistério de ser gente. Muitos até pensam que seria melhor existir uma espécie humana bem programada, enquadrada, reprodutora daquilo que a cultura lhe pedisse, simplesmente. Assim, talvez houvesse mais paz, menos tragédias, se todos pensassem de maneira homogênea, falassem a mesma linguagem. Claro que não, companheiro. Por quê? Uniformizar o ser humano seria roubar-lhe o que possui de mais sagrado, sua capacidade de escutar o ser no sacrário de sua alma. Sua dignidade mais própria provém exatamente de sua inevitável condição de fazer do tempo e do espaço ocasiões para contínuas tomadas de decisões. Pense bem, a colonização combatida em tempos atuais não está assim tão ausente. Em muitas profecias, ela vem disfarçada do “cientificamente correto”, por exemplo, roubando possibilidades de escolhas. Desmerece que homem também é espaço livre de criação. No fundo, desejo de ser, inventividade.
Isso! Colonizar desejos é luta perigosa que infelizmente parece estar espalhada em diversas dimensões culturais, com justificativas de que haja uma verdade sobre pessoas e coisas, conhecidas pelas instâncias de domínio e imposta como condição de felicidade. Claro que não se deve aceitar a barbárie, o cinismo com a morte do outro, o descaso com a solidariedade, atitudes sombrias que promovem a morte. No entanto, muitos discursos por uma ordem supostamente correta não passa de massificação banal dos semelhantes. O sistema capitalista, por exemplo, amparado pela força do mercado e da grande mídia, além de matar milhões de pessoas pela exclusão financeira e afetiva, corre o risco de matar também a alma criativa. Como são evidentes e superficiais os gostos musicais, as expressões religiosas, os discursos políticos! Por quê? No fundo, mercado e mídia decidem o que mais vai fazer sucesso porque lucra mais, criando uma massificação despersonalizada, sem critérios a não ser o econômico.
É preciso forçar, por isso, estilos de resistência. Não ter vergonha de fazer construções que alimentam não somente a aparência, o bolso, porém, que deem conta das motivações ancoradas no fundo da alma. Não se sustenta a vida apenas com a posse das coisas, de um dizer alienado, perdido nos dizeres dos outros. Cuidado, pois quando a alma se esvazia, nenhum chip faz sentido porque identidade não se guarda em laboratório, mas dentro do coração. Aliás, palavras como resistências não é capricho ou vaidade que a gente encontra pelo caminho. Elas são conclamadas quando a alma chora, quando o luto aparece, quando o pão falta, quando nenhuma exterioridade faz sentido. Ou seja, quando a angústia de saber-se finito supera as organizações pessoais ou sociais. Quando a consciência, em forma acostumada de dizer as coisas, dorme, é que acordam desejos poderosos. E não se assuste! O que parece terrível, num primeiro momento, pode ser a chance de construções maravilhosas, das descobertas de um universo sempre nascente no fundo da alma, mais misterioso do que os átomos e as moléculas. Como disse São Leão Magno “se somos templos de Deus e se o Espírito de Deus habita em nós, o que qualquer fiel possui no coração é muito maior do que tudo quanto se admira no céu”.
Pe. Vicente de Paula Ferreira, C.Ss.R. - formador da Comunidade Vocacional Dom Muniz, membro da Sociedade de Estudos Psicanalíticos de Juiz de Fora, filósofo, teólogo, doutor e mestre em Ciência da Religião.
Fonte: www.provinciadorio.org.br
Comments